10/11/2008
Por Arthur Soffiati
Na última quinta-feira, participei de uma audiência no Ministério Público Estadual em que o Promotor de Justiça Dr. Marcelo Lessa tentou um acordo provisório entre proprietários rurais e pescadores em relação ao Banhado da Cataia. Para quem não sabe, com a constituição de uma grande restinga entre o Cabo de São Tomé e a Praia de Manguinhos, nos últimos cinco mil anos, várias lagoas foram formadas entre o tabuleiro e a restinga. Nesta, a maior de todas é a Lagoa do Campelo.
Antes que a região fosse ocupada por povos nativos e por europeus, esta lagoa ligava-se ao Rio Paraíba do Sul por um córrego que, mais tarde, recebeu o nome de Cataia. Como a Lagoa do Campelo é ligeiramente mais alta que a margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, na época das cheias, as águas subiam do rio para a lagoa. Nas estiagens, as águas fluíam da lagoa para o rio, num processo muito lento que permitiu a formação de um grande banhado entre o rio e a lagoa. Nele, os peixes que vinham do rio subiam o córrego e se espalhavam pelo banhado para se alimentar e procriar.
Quando os portugueses iniciaram uma colonização contínua de tipo europeu, o que veio a ser o atual norte fluminense foi ocupado por lavouras e pastagens. De princípio, a economia rural tinha sua expansão limitada por lagoas, banhados e áreas alagadas. Estas eram o domínio da atividade pesqueira.
Em 1933, o governo de Getúlio Vargas criou a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense para iniciar um processo sistemático de drenagem de tais áreas úmidas para ampliar as fronteiras agrícolas e incorporar novas províncias rurais. O sucesso da Comissão levou o governo federal a promovê-la a Departamento Nacional de Obras e Saneamento, a atuar não apenas nos terrenos baixos do Estado do Rio de Janeiro, mas também em todo território brasileiro.
A lógica do DNOS era unilateral (favorecimento à agropecuária e à agroindústria) e unidimensional (considerar a água apenas como um elemento inerte que cobria terras férteis para a lavoura e a pecuária). Assim, muitas áreas foram incorporadas à economia agropecuária, em prejuízo dos ecossistemas aquáticos continentais e da atividade pesqueira.
No Banhado da Cataia, o órgão federal construiu um obstáculo na desembocadura do Córrego da Cataia, no Rio Paraíba do Sul: eram três manilhas por baixo de um dique-estrada com três tampões automáticos na boca voltada para o rio. Quando o nível do rio subia, a força da água fechava as tampas automaticamente, impedindo que o fluxo hídrico e os peixes seguissem em direção ao banhado e à lagoa. Na estiagem, com a queda do nível hídrico, as águas fluíam da lagoa para o rio. Com as comportas, a lagoa só perdia água, enquanto que os peixes tinham dificuldade de subir o córrego.
Em ponto mais acima, próximo da cidade de Campos, o DNOS aproveitou em grande parte o traçado do Canal do Nogueira, aberto para navegação, no século 19, e rasgou o Canal do Vigário, saindo do Rio Paraíba do Sul e vertendo para a Lagoa do Campelo. Em sua junção com o Paraíba, foram construídas comportas que visavam tão somente o controle do fluxo hídrico para a lagoa a fim de diminuir o seu teor de salinidade e a atender a irrigação. Da lagoa, rasgou o Canal Engenheiro Antonio Resende para levar água doce ao Rio Guaxindiba.
A atividade pesqueira começou a se ressentir destas pesadas intervenções nos ecossistemas aquáticos. Também o equilíbrio ecológico foi drasticamente atingido. Não sem razão, o Córrego da Cataia se tornou um ponto de conflito sócio-ambiental, juntamente com o Durinho da Valeta, na Lagoa Feia, com o Buraco do Ministro, na junção do Canal do Quitingute com o Canal da Flecha, em São Benedito, na Lagoa de Cima, e na Lagoa Feia do Itabapoana.
Estes conflitos entre proprietários rurais e pescadores ora dormitam ora explodem. Estamos assistindo a um novo momento de conflito entre pescadores e ruralistas no Banhado da Cataia. Um estudo recente feito pela Universidade Federal Fluminense e pela Universidade Estadual Norte Fluminense constitui-se no maior levantamento de lagoas da região até o momento. Ele detectou quatro grandes banhados para proteção: a Lagoa Feia do Itabapoana, o Banhado da Cataia, o Banhado da Boa Vista, no Cabo de São Tomé, e o Brejo da Severina, na bacia do baixo Rio Macaé.
Com exceção deste último, que foi demolido pelo DNOS nos anos de 1960 e 1970, os outros ainda são ecossistemas restauráveis e revitalizáveis com grande importância ecológica. Por isto, o novo Plano Diretor de Campos criou a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Banhado do Cataia, tendo de cortar a área úmida ao meio, pois a outra parte situa-se no Município de São Francisco de Itabapoana. Na audiência pública de quinta-feira, ficou bem claro que esta Unidade de Conservação deveria ser estadual para manter o banhado íntegro.
Fonte: O autor.
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Banhado da Cataia
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