terça-feira, 21 de abril de 2009

Mudanças climáticas aumentam mortalidade de idosos nas metrópoles brasileiras

20/4/2009O
clima hoje mata mais. Associadas ao padrão do aquecimento global, as ondas de calor ou frio extremos aumentaram a mortalidade de idosos em São Paulo, revela uma pesquisa inédita da Universidade de São Paulo (USP). A cada dia morrem 75 pessoas maiores de 65 anos na capital paulista. Mas durante ondas de frio morrem sete pessoas a mais. Já as ondas de calor causam outras três mortes extras. Sinais de drama semelhante são percebidos nas capitais do Sul.
Soraya Aggege
Os idosos são os mais vulneráveis, mas toda a população sofre. O custo de saúde pública com cada grupo de dez mortes por extremos climáticos chega a US$ 5 milhões, segundo a pesquisa, realizada pelo Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP. Os cientistas estimam que a mortalidade vem crescendo desde 2005, quando as ondas severas de frio e calor começaram a se tornar mais frequentes.
O coordenador do laboratório da USP, Paulo Saldiva, também médico patologista e pesquisador da Universidade de Harvard, diz que o aumento da ocorrência de picos de frio e calor, associado a mudanças climáticas, deverá ter consequências ainda mais graves para a saúde pública.
— É esperado que tenhamos episódios extremos de clima, como chuvas, dias muito frios ou muito quentes, com maior frequência. Nos estudos que realizamos em São Paulo, foi possível detectar uma associação nítida e significativa entre incremento de mortalidade e ondas de frio. No caso de ondas de calor, esta relação ainda é menos nítida — explica Saldiva.
Doenças do tempo afetam mais os pobres
A pesquisa da USP é reforçada por estudos anteriores. Segundo Saldiva, dias frios afetam com maior intensidade cidades de clima subtropical ou tropical, como as brasileiras, e dias quentes afetam mais intensamente cidades em regiões temperadas ou frias.
— Uma das principais características do aquecimento global é que o clima fica mais extremado. Ele se manifesta principalmente pelos extremos, que se tornam frequentes. O clima fica caótico e, o que é pior, mais imprevisível — alerta Carlos Nobre, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/Inpe), um dos maiores climatologistas do Brasil.
Na verdade, os efeitos de extremos climáticos são percebidos a partir da década de 90, de maneira crescente, nas séries de dados analisadas na USP. A pesquisa não está concluída. O desafio dos pesquisadores é estimar outros possíveis efeitos das mudanças climáticas, dentre eles a proliferação de doenças infecciosas, como leptospirose e dengue. Há ainda sinais de aumento de doenças por desconforto térmico em idosos e crianças.
Estudos da USP têm apontado que, além das 3.500 mortes causadas pela poluição em São Paulo a cada ano, efeitos do aquecimento global, como a elevação das temperaturas mínimas e das tempestades, também estariam agravando o problema das ilhas de calor já existentes nas metrópoles, geradas pela urbanização.
As mínimas aumentaram cerca de 2 graus Celsius nas grandes cidades. Mas nas ilhas de calor de São Paulo a diferença de temperatura entre uma área e outra chega a 12 graus. No Rio, elas chegam a 7 graus. E os lugares mais quentes das metrópoles estão localizados exatamente nas regiões mais pobres, menos arborizadas.
De acordo com Saldiva, as faixas de conforto térmico para o corpo humano variam regionalmente. Em São Paulo, por exemplo, quando as temperaturas são inferiores a 10 graus Celsius ou superiores a 22 graus, o corpo é obrigado a trabalhar mais e sofre.
Nos idosos, ocorrem problemas pulmonares e cardiovasculares. Nas crianças, as doenças respiratórias aumentam. Em São Paulo, por causa das ilhas de calor, à medida que o paulistano caminha, a zona de conforto térmico é modificada. Os cariocas sofrem efeitos semelhantes.
— A urbanização expõe as pessoas a desafios incríveis— explica Saldiva.
Meteorologista especializada em clima e saúde, Micheline Coelho, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), colabora com os estudos da USP:
— Temos observado a ocorrência de mais extremos climáticos, globalmente e no Brasil. É claro que consideramos as mudanças cíclicas do planeta, mas também é óbvio que a ação humana acelera os processos de mudança climática. Como pesquisadora, digo que temos mais provas de que as mudanças estejam sendo causadas pelo aquecimento.
De qualquer modo, alterações no ambiente afetam o corpo humano— avalia Micheline.
Nos estudos sobre São Paulo, a pesquisadora considera que tem ocorrido um efeito conjunto das ilhas de calor com o aquecimento global. A mínima, em média, subiu mais de 2 graus Celsius e a cidade, conhecida como a “terra da garoa”, quase não tem mais chuvas finas. As tempestades estão mais intensas e localizadas.
— Há um efeito conjunto das mudanças com as ilhas. Nelas, até a circulação do ar é modificada— disse Micheline.
A geógrafa Helena Ribeiro, da USP, diz que o aquecimento nas áreas urbanas é evidente em estudos desde o século passado.
— Nos últimos 20 anos, no entanto, o que se tem constatado é a elevação da temperatura de toda a Terra. Por isso, as cidades se tornaram laboratórios importantes para se analisar os efeitos das mudanças climáticas.
Segundo ela, nas ilhas paulistanas faz mais calor durante o dia e mais frio nas noites de mínimas extremadas.
— São condições que afetam a saúde, a dos mais pobres, principalmente. A situação é mais exacerbada nas favelas, onde as condições de moradia são piores.
A pesquisadora do Laboratório de Poluição da USP e professora do Centro Universitário Senac Simone Miraglia destaca que mais gente doente significa mais internações, menor produtividade e mais mortes prematuras. Pelos cálculos dela, devido à poluição, a cada ano a capital paulista perde US$ 200 milhões em dinheiro público, contados só crianças e idosos.
Em média, os paulistanos têm a expectativa de vida reduzida em um ano e meio, pelo simples fato de respirar o ar poluído da cidade. Mesmo sem fumar, há 20% mais risco de o paulistano ter câncer de pulmão e 30% de sofrer de doenças cardiovasculares. São 19 mortes diárias de maiores de 40 anos causadas pela poluição.
Mais dengue e leptospirose no Sul
Outra pesquisa, da Universidade Federal do Paraná, demonstra mais um possível efeito da mudança do clima: o aumento da dengue e da leptospirose no Sul do país. Segundo o geógrafo Francisco Mendonça, um dos autores do trabalho, a situação é evidente nos três estados do Sul, onde os invernos estão mais secos e as primaveras mais chuvosas.
— Houve uma elevação média de temperatura de 1,3 a 1,5 grau Celsius entre 1970 e 1990. Os invernos estão menos frios e mais secos e os finais de primavera, mais chuvosos, o que favorece o mosquito da dengue. Desde 1993 temos casos autóctones no Paraná e em 2006 em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. As chuvas também estão mais concentradas, o que favoreceu ao aparecimento de leptospirose — avalia.
Fonte: Jornal O Globo / MST.

Nenhum comentário: